Surgiu recentemente no mercado mais uma revista de Banda Desenhada (BD) de edição nacional. BD? Perdão, Manga, pois que se trata de uma publicação na qual se pretendem divulgar trabalhos de autores europeus mas de inspiração estética e visual japonesa, pela via do estilo (acho que se lhe pode chamar assim) Manga. O seu nome é capaz de ser também uma boa pista, para os mais distraídos… ;)
A revista, de 48 páginas a preto-e-branco (capa e contra-capa a cores), com um preço de €2,50 e edição bimestral, apresenta-se em papel de boa qualidade, infelizmente , na minha opinião, num formato pouco condizente com o habitual em obras Manga. Sendo a primeira produção do género a surgir em Portugal e sendo nítido o seu propósito de marcar posição no seio da BD de inspiração/origem Japonesa, os responsáveis pela sua produção poderiam ter começado logo por aqui. Em vez do enorme A4, teria sido mais original (no seio do nosso mercado) que a BANZAI se propusesse aos leitores no formato “japonês” (entre as 5” x 7” polegadas, 12,7 x 17,78 cm, ou ligeiramente inferior ao tamanho A5).
Neste número 0 (zero), a BANZAI introduz-nos duas estórias de outros tantos autores portugueses, ou autoras, mais concretamente: “TMG – The Mighty Gang”, de Joana Rosa Fernandes e “Kuroneko”, de Cristina Dias. A primeira estória, intitulada “Missão 01 – O Início”, introduz-nos a três personagens adolescentes, ainda sem espaço e tempo para um aprofundamento psicológico do seu carácter, que se encontram numa improvável França e onde duas delas têm o objectivo declarado de (coincidência?) se deslocarem a Inglaterra.
Um reparo, que, este sim, é impossível ignorar e que se estende a partes de toda a revista e não apenas a esta estória. Os erros ortográficos. Entendo que a autora, numa tentativa de maior aproximação possível ao estilo em que se inspira, recorra a onomatopeias para acentuar, de forma não desenhada, certas acções dos personagens acrescentando uma ilusória dimensão sonora aos desenhos. Por aqui, nada a apontar. É louvável e habitual em BD. O que me parece menos correcto é o uso de expressões de língua inglesa para acentuar essas acções, especialmente quando algumas delas apresentam os tais (crassos) erros ortográficos.
Por exemplo, quando um personagem afaga a testa de um cavalo, adicionar-se um balão com a palavra “Pet” (animal de estimação) quando eu acho que a autoria queria era transmitir a ideia de afagar (substantivo “Pat”; ou quereria referir-se ao verbo “Pat”?) é de palmatória… Desculpe-me a autora. Um suspiro trocado por um “Sigh”, um virar de página com um “Flip” ou um “Rustle” ao invés de um sussurro ou restolhar parecem-me opções menos conseguidas quando falamos de uma publicação portuguesa. “Geez”, “Growl”, “Snatch”, “Push”, etc., são outros que, em si, não me espantam, mas que enquadro na classe anterior de opções menos certeiras da autora. A menos que (ressalva minha) esta tenha inicialmente concebido “TMG – The Mighty Gang” para edição em língua inglesa, antes da publicação na BANZAI.… Terei acertado? Não interessa.
O desenho em si parece-me adequado para dar o “ar” de Manga, apesar de ter sido, neste particular, dada menos atenção aos segundos planos, nos quais o estilo já me parece mais amadorístico. Percebo que desenhar “pessoas” seja uma coisa e que desenhar objectos ou cenários, outra completamente diferente (autores há que costumam delegar noutros artistas estes pormenores), mas preferia não ter conseguido fazer esta distinção. Por exemplo logo na página 3, os prédios, ou, na página 5, cena com o transeunte e um camião parece terem sido desenhados com alguma displicência, pouco visível na maioria dos restantes quadradinhos. Em termos do argumento, também me parece algo anacrónico que em plena França contemporânea seja “natural” que alguém ostente e empunhe em público uma… katana (?!).
Seja como for, aguardo com interesse e expectativa novos desenvolvimentos do enredo a partir do número 1.
Sobre o “Kuroneko” de Cristina Dias, três mini-estórias de estilo mudo, apresentadas num par de pranchas cada, confesso que me agradou um pouco mais. Contar uma estória por gestos (perdão, desenhos…) requer muito mais engenho que o desenho acompanhado com texto, e a autora consegue transmitir bastante bem a relação amor-ódio que se sente entre o gato Kuroneko e a ovelha Hitsuji, infelizmente e para mal do personagem homónimo, nem sempre favorável ao primeiro.
Palavras finais para constatar que a revista é omissa quanto a um eventual projecto editorial e a equipa que a compõe (número “zero” não pode ser desculpa para tudo), faltando por exemplo uma vulgar informação de contacto (um simples endereço de e-mail que permita dialogar com os potenciais leitores?). Além das autoras, da referência ao licenciamento dos personagens a uma “NCreatures, Lda.” e ao registo ao abrigo da Lei de Imprensa (bla-bla-bla) nada mais é revelado ao comprador.
Mas, volto a repetir, para mim o mais grave são os erros ortográficos, patentes não apenas onde os assinalei mas também e logo no texto de introdução de “The Mighty Gang”, uma redacção mal construída. Vejamos na parte que reproduzo, com a devida vénia à autora:
“(…) Quando Joana Mubarak, Andre Kersey e Sara Yamamoto, três viajantes, encontram-se [?? Descrição no Passado e verbo no Presente?] num porto em França a caminho de Inglaterra nunca poderiam imaginar (...)
Uma aventura na senda dos Shonen mais clássicos, onde nada é o que parece e as aventuras nunca pára [sic; provável gralha]”
Apesar de tudo, acredito no projecto (seja ele qual for) e aguardo com expectativa a chegada do número efectivamente 1! Uma proposta editorial ainda algo amadora, mas que poderá ter pernas para andar em Portugal, a julgar pela oferta e consumo cada vez maiores de obras japonesas traduzidas para inglês.
Nota de rodapé: Mais alguma informação, incluindo reprodução de três pranchas, nesta página do "Jikai! Blog".
ACTUALIZAÇÃO:
Após a publicação do meu texto, apercebi-me, através da página Facebook da NCreatures, da existência da página oficial da revista na Web. Está corrigida (embora parcialmente) a minha observação sobre a falta de contactos, etc..
Está à venda o numero um da revista BANZAI.
ResponderEliminarvi na FNAC, mais pequena e com novas histórias.
Parece que vai mesmo continuar.
Óptimas notícias, Rui. Vou passar por lá e depois aqui escrever sobre as minhas impressões. Curiosamente, esse lançamento acontece quase um ano depois de aqui ter referido o número zero. :)
ResponderEliminarUm bom 2012 e obrigado pela visita e comentário.