quarta-feira, 14 de março de 2012

"Genesis em Cascais 1975": os The Musical Box 37 anos depois



Já aqui, e algures, contei quase até à exaustão a relação de fã de Rock Progressivo que venho mantendo há umas décadas(zitas). Não escondendo a minha admiração pelo papel dos GENESIS como uma das bandas mais emblemáticas no seio deste género musical, tanta vez incompreendido, chegou a vez de finalmente falar em primeira mão de um concerto "seu". Depois de no sábado ter assistido à actuação dos canadianos The Musical Box em Cascais, sinto-me quase obrigado a aqui deixar algumas minhas impressões sobre tudo o que vi e vivi na passada noite de 10 de Março de 2012.

Não é fácil organizar ideias depois de abrirmos as comportas da fruição, 37 anos depois de encerradas, tal a acumulação de sentimentos finalmente vividos nas quase duas horas e meia de espectáculo. Alguém estranhará se eu disser que fiquei quase sem voz quando tudo terminou? Eu cantei tudinho! Enfim, acompanhando o vocalista Denis Gagné nos 19 temas não instrumentais dos 23 do álbum The Lamb Lies Down On Broadway (TLLDOB) de 1974 que trouxe a banda-tributo a Portugal, mais os 2 do encore.

Uma nota: as fotos aqui incluídas, excepto indicado de outra forma, foram tiradas por mim; infelizmente são uma minoria porque não fui equipado para fotografar condignamente o concerto. Um "mero" smartphone teve de fazer as vezes de equipamento profissional, com os inerentes resultados para mim insatisfatórios, mas.


O Local

Tratando-se este de um concerto ao mesmo tempo evocativo e de celebração de uma banda, de uma época e do famoso concerto que aquela dera nos idos de 6 e 7 de Março de 1975, não seria justo esquecer o local onde tudo aconteceu. O de agora, infelizmente (por razões puramente históricas), já não é o original Pavilhão do Dramático de Cascais. Este, situava-se junto ao quartel militar da vila e fora construído em inícios dos anos de 1970 com projecto do arquitecto Henrique Albino, acabando por ser completamente demolido em 2006 depois de estar planeado que se tornaria alegadamente num "Centro de Arte de Cascais". Um novo edifício acabou por ser construído no Bairro da Torre, perto do cemitério (ver links no final do artigo para mais informação), tendo sido baptizado oficialmente como Pavilhão Guilherme Pinto Basto.
Chegado aqui, uns 45 minutos antes das 21h30, já se notava aparato policial nas redondezas (do verdadeiro e em número exagerado, na minha opinião) para ordenar o trânsito, que apesar de tudo fluía tranquilamente, e para "manter a ordem". Lugares para estacionar já eram raros e tive de fazer uma pequena caminhada para chegar ao pavilhão.

Cartaz oficial, com patrocinadores



Cartaz promocional


Cartaz promocional, com texto.

Antigo Pavilhão do Dramático de Cascais (maquette).

Antigo Pavilhão do Dramático de Cascais em 2006 (já em demolição) e nos anos de 1970s. 

O "Dramático" original, um ano antes da demolição de 2006.


O "Dramático" original, noutro ângulo, já em processo de demolição 


Entrada do  moderno "Dramático de Cascais", oficialmente Pavilhão Guilherme Pinto Basto

Fachada do "Dramático de Cascais" 


"Atmosfear"

Refiro-me tanto à atmosfera a vivida, como ao receio daquilo que me poderia ser dado ver... Mal cheguei à esquina adjacente deparei-me com dois "militares de Abril", ambos com ar de quem em 1975 nem sequer devesse estar nos futuros projectos de vida dos respectivos paizinhos, tal o ar jovem que ostentavam. Mas, conforme eu suspeitava, a organização decidiu evocar 1975 à maneira, mas sem rigores excessivos, recorrendo a figurantes para nos recordar da presença, à época, desde os militares do COPCON e respectivas viaturas militares para, tal como a actual PSP, tentarem (historicamente sabe-se que sem grande sucesso) manter a (des)ordem reinante nas imediações do extinto Dramático naquele Março distante de 37 anos, até aos "populares" em rebelde manifestação (ruidosa). Este meu olhar para certos detalhes, ainda por cima como entusiasta de História Militar, assinalou que, ao invés dos carros Chaimite de antanho, agora estava estacionado frente à entrada principal do pavilhão uma Auto-metralhadora Panhard. Nada de mais, trata-se de uma viatura de menor porte e poder, também em uso no exército daquela época mas, como mencionei acima, a ideia era evocar minimamente a presença militar como garante da ordem pública pós-revolucionária pelo que não valia a pena ser-se exigente em demasia. De cada lado da entrada encontravam-se ainda dois Volkswagen "Carocha", à esquerda um dos anos de 1970s e à direita a moderna versão do Beetle de 2012. Adiante.

Já no interior, ainda pouco povoado por volta das 21h, enquanto o público foi entrando deu logo para perceber que havia mais presença masculina que feminina. Quando, por volta das 21h35, a sala ficou quase cheia (se estava esgotada, conforme se lia na página da Câmara Municipal de Cascais alusiva ao evento, alguns, poucos, lugares vagos na lateral indicavam o contrário), apercebi-me sem surpresas, admito, que estava rodeado da maior multidão de cabelos cinza-brancos num espectáculo musical de que tenha memória. Eu incluído! Não é de estranhar, repito, dada a geração a que pertencem os fãs originais dos GENESIS, todos agora na dita "casa dos 50s" (e mais além…). Ainda perscrutei a multidão à minha volta, a ver se reencontrava alguns dos colegas de liceu, tão fãs dos Genesis e do Rock Progressivo quanto eu, mas nada. Apenas à minha frente se sentou um conhecido político da nossa praça, antigo líder parlamentar da bancada do PSD. Siga.

P.S.: E não, desta vez e ao contrário do que se passara há quase 40 anos atrás, o público comportou-se civilizadamente (será uma coisa geracional, ou da "idade"?) e ninguém fumava na sala nem tampouco se "cheirou" daquela matéria-que-faz-rir. Infelizmente, quem sabe? ;)

Web da C.M.C. anunciando o espectáculo e preço dos ingressos, indicando estarem esgotados.

A sala, momentos antes do início (foto minha)

A bateria de "Phill Collins" e teclados de "Tony Banks" (foto minha)

A posição de "Steve Hackett" e um dos pontos elevados para o vocalista, atrás (foto minha)

A parede da "caverna" subterrânea de onde sai um Slipperman (foto minha) 

Posto de "Steve Hackett" em detalhe (foto minha)

Posição de "Tony Banks" (foto minha)


A Banda


Os homens que têm a coragem (e mestria técnica, admita-se) de trazer à cena um espectáculo (musical e teatral) com várias dezenas de anos de existência e da envergadura, complexidade e sofisticação como é este TLLDOB. São eles:

Denis Gagné ("Peter Gabriel", noutros espectáculos também "Phil Collins" como vocalista) - Vocalista principal, Percussão.
François Gagnon ("Steve Hackett") - guitarras eléctrica de 6-cordas, guitarra acústica e guitarra de 12 cordas.
Sébastien Lamothe ("Mike Rutherford") - Guitarra baixo, pedais-baixo, guitarra de 12-cordas, vocalista e Director Musical da banda.
David Myers ("Tony Banks") - Teclados, guitarra de 12-cordas, vocalista.
Marc Laflamme ("Phil Collins") - Bateria, percussões.




Todos eles, durante o espectáculo e quase sem falhas dignas de registo (já tocaram ao vivo o TLLDOB mais vezes que os próprios GENESIS o fizeram), se portaram à altura da fama de rigorosos executantes contemporâneos dos antigos espectáculos ao vivo de uma das bandas de Rock Progressivo do nosso coração. Ou não fossem os The Musical Box os únicos autorizados oficialmente pelos "GENESISs & Peter Gabriel" (sic) para os representar nas já centenas de espectáculos evocativos que vêm trazendo ao público desde 1994. Os adereços cénicos, as marcações no palco, posições relativas e postura dos membros da banda (a coreografia, digamos melhor), passando pelos instrumentos de época empregues — à excepção, por razões puramente técnicas e de fiabilidade, do Mellotron Digital mencionado nesta entrevista e da sempre soberba guitarra Rickenbacker de dois braços usada pelo Sébastien Lamothe ("Mike Rutherford"), que é canhoto e portanto usa um modelo invertido face ao original do Mike (apesar de que nesta versão do TLLDOB ter usado uma dupla composta por um baixo Micro-Frets de seis cordas acoplado a uma guitarra Rickenbacker de doze cordas) —, até ao guarda-roupa e visual "fashion" dos Anos Setenta do século XX, com as suas calças-à-boca-de-sino e as fartas cabeleiras. Curiosidade adicional para mencionar que o François Gagnon é practicamente calvo, pelo que recorre a uma peruca para melhor se assemelhar ao "Steve Hackett" que emula em palco e a barba farta que o Marc Laflamme ostentava, à semelhança do Phil Collins no espectáculo do dia 6 de Março de 1975 e que, curiosamente, acabaria por cortar completamente para a intervenção do dia seguinte, deixando apenas bigode).


A bonita dupla Rickenbacker (tal como em 1975, não usada em Cascais)

Mellotron Digital



O espectáculo "The Lamb Lies Down On Broadway"

Começou com um atraso ligeiro, nada de mais, com uma introdução apresentada pelos dois portugueses responsáveis pela vinda dos The Musical Box a Portugal, Pedro e Manuel Mello Breyner. Como curiosidade adicional, refiro que foi lida na íntegra pelo Manuel uma nota em inglês que no final ficámos a saber ter sido escrita pelo Steve Hackett (o verdadeiro), alegando não poder satisfazer o convite que lhe tinha sido endereçado para participar por "… ter outros afazeres inadiáveis nesses dias", acrescentando ainda ter presente que o concerto da sua banda em 1975 em Cascais tinha sido "o mais explosivo" de que tinha memória… É pena porque o Steve já tinha estado com os The Musical Box em Zurique no mês passado, facto que menciona na sua página oficial. Este intróito foi "interrompido", com os tais "COPCONs" de que falei mais acima a fazerem uma aparição “musculada” para impor a ordem no palco, tentando remover os dois “prevaricadores” a fim de que a banda "GENESIS" de 75 pudesse finalmente intervir.

Depois da introdução à história e percurso surreais do jovem Rael, um delinquente porto-riquenho residente em New York City, apresentada pelo "Peter Gabriel" e mal se ouviram os primeiros acordes do piano do David Myers ("Tony Banks") no 1º dos 23 temas do duplo álbum, o homónimo "The Lamb Lies Down On Broadway", que uma onda de excitação varreu todos os espectadores, que ovacionaram e assobiaram entusiasticamente a banda. Os arrepios pela espinha-abaixo (ou acima? Já não me recordo) começaram e foi aqui que, admito sem problemas, verti a primeira de algumas lagrimazitas… GENESIS, enfim!!

Foto: Martin Christgau (captada no show de 2011)

Rael apresenta-se. Foto: Martin Christgau

A actuação de Cascais (foto minha)

O concerto seguiu rigorosamente (e friso "rigorosamente") o alinhamento original do álbum de estúdio e foi possível ficar com uma ideia do que teriam sido as actuações do grupo no auge da sua pujança musical, criativa e cénica e logo naquele que é considerado como um dos dois trabalhos maiores da carreira (ou outro é o Selling England by the Pound que em 1973 antecedera o Lamb). Também aqui foi visível o maior protagonismo do vocalista e não foi sem uma pontinha de tristeza que também neste aspecto me revi (e compreendi ainda melhor) no isolamento e cansaço que o Peter Gabriel a sério sentia já então e que teria sido uma das razões que o levou a abandonar a banda depois da tournée que os trouxera a Cascais, terminada a 22 de Maio de 1975 em Besançon, França — como um à parte sobre este tema, escute-se o seu desabafo no autobiográfico "Solsbury Hill", inserido no 1º álbum a solo, Peter Gabriel (1977), não estranhamente o seu 1º single de sucesso da carreira pós-GENESIS.


Na digressão de 2011 (foto Leon Alvarado)

Sendo, repito, este um concerto baseado num álbum conceptual, os temas foram-se sucedendo na ordem conhecida da obra, revelando da parte dos músicos em palco um conhecimento rigoroso das suas nuances, principalmente considerando que aqui não se tratava de uma "mera" reprodução de um trabalho de outrém, como que seguindo uma sua partitura mas, dificuldade adicional, da emulação dos gestos, atitudes e diálogos com o público, inclusive, debitados como apresentação de algumas das fases mais importantes do desenrolar da história de Rael (mais detalhes em The Annotated Lamb Lies Down On Broadway), tal como já Peter Gabriel fazia. Basicamente, esta fidelidade a quase 100% aos originais revela um admirável trabalho de aturada investigação, tanto mais de louvar quanto é conhecida a ausência de registos filmográficos consistentes das actuações dos GENESIS ao vivo. Digamos que aqui se recria com sucesso uma obra quando apenas dela se têm excertos e relatos dispersos, além de alguns planos esquemáticos frelativos à parte técnica da ontagem de palco (luzes, som, instrumentos, etc.).

Os momentos mais electrizantes foram o do 1º tema, já mencionado, e os temas "Cuckoo Coccon", "In The Cage", mas principalmente o trio "Hairless Heart", a desembocar num hipnotizante "Counting Out Time" e a concluir-se no famosíssimo "Carpet Crawlers" (pausa para mais lagrimazitas…). Dos temas do 2º disco, aquele em que a obra denota um maior dramatismo narrativo e musical, pesado mesmo, destaco a cacofonia bem reproduzida em "The Waiting Room", um daqueles em que a secção rítmica dos The Musical Box pôde demonstrar na complexidade da sua reprodução a sua qualidade como intérpretes à altura. Menções especiais, portanto, para a bateria de Marc Laflamme e os teclados de David Myers (especialmente em "Riding The Scree"), que estiveram em grande destaque. Prosseguindo no setlist, os temas deste "lado" do concerto são também aqueles em que o "Peter Gabriel" nos pôde presentear com as mais espectaculares mudanças de guarda-roupa de todo o programa. Três canções depois, surgiria a cantar "The Lamia" envolvido numa estrutura giratória semelhante a um cone feito de seda colorida com desenhos de cobras (novo arrepiozinho ao escrever e reviver este momento, em que estou propositadamente a ouvir o álbum, confortavelmente sentado à secretária).

"The Lamia" (foto Leon Alvarado, 2011)

"The Lamia" (detalhe do adereço)

E para o final, dois dos temas mais vibrantes do álbum: "The Colony of Slippermen (The Arrival)", em que o cantor se desloca contorcendo-se lentamente no interior de um tubo fálico transparente que sai de uma protuberância na "parede rochosa da caverna" montada no fundo do palco, mostrando a gestação, desenvolvimento e nascimento do famoso Slipperman, o ser amarelo-esverdeado de testículos insufláveis (sem comentários) e pele coberta de tocos, caroços e borbulhas e voz maviosamente borbulhante (não a consigo definir de outro modo), isto tudo enquanto inicia o verso "I Wondered Lonely as a Cloud" do poeta William Wordsworth:

I wandered lonely as a cloud,
Till I came upon this dirty street.
I've never seen a stranger crowd;
Slubberdegullions on squeaky feet,

O Slipperman, foto de Martin Christgau, 2011
(note-se a guitarra Micro-Frets/Rickenbacker double neck mencionada antes)

E então (tão depressa? Já??), pouco menos de duas horas depois do começo, eis chegado o momento de encerrar a narrativa das desventuras de Rael com "It". De novo vestido à Rael (o blusão de cabedal negro, a T-shirt branca e os jeans azuis), "Peter Gabriel" e os seus “GENESIS” acabam em apoteose com uma encenação (à época estranhíssima) que consistiu na utilização de luzes strobe brancas intensas a iluminarem alternadamente dois Raels, cada um no extremo esquerdo e direito do palco, terminado o tema e a actuação com uma explosão pirotécnica também de cor branca!!

Foto de Gustavo Quintas



O Encore

Acabado o prato principal — de fácil digestão e já a deixar saudades — era mais que óbvia a chegada da sobremesa, mesmo que, por qualquer estranha e surreal razão, não fosse encomendada. Ou não se tratasse aqui da reencenação de um show antigo de 37 anos e desfecho conhecido. A última meia hora de espectáculo foi ocupada pelos não menos clássicos temas "The Musical Box", escolha óbvia a vários níveis e não apenas por se tratar do nome com o qual a banda-tributo decidiu baptizar-se e "Watcher of the Skies". Acompanhem-me num resumo alargado destes dois temas fulcrais na obra clássica Genesiana.

Em "The Musical Box", a 1ª faixa do 3º álbum de originais, Nursery Cryme (1971), "Peter Gabriel” introduz-nos o tema por si criado, um conto de fadas victoriano em que se fala de duas crianças numa mansão de campo. Conta assim o texto do álbum:

Enquanto o menor Henry Hamilton-Smythe (8) jogava críquete com Cynthia Jane De Blaise-William (9), a doce e sorridente Cynthia eleva o seu taco e graciosamente remove (sic) a cabeça de Henry. Duas semanas mais tarde, no berçário de Henry, ela descobre a querida caixa de música deste. Ansiosamente, ela abre-a e enquanto "Old King Cole" começa a tocar, uma pequena figura-espírito aparece. Henry tinha regressado, mas não por muito tempo, pois enquanto estava no quarto o seu corpo começou a envelhecer rapidamente, mas deixando no interior uma mente de criança. Todos os desejos sexuais de uma vida passaram por ele. Infelizmente, a tentativa de persuadir Cynthia Jane a satisfazer os seus impulsos despertou a atenção da educadora, que foi investigar a razão do ruído. Instintivamente, atira a caixa de música à criança de barbas, destruindo ambos. Este é o tema em que o "Peter" se apresenta com um maillot negro e, quase no final da interpretação, surge mascarado de idoso que, encurvado mas lúbrico, incentiva:

You stand there with your fixed expression
Casting doubt on all I have to say
Why don't you touch me, touch me
Why don't you touch me, touch me
Touch me now, now, now, now, now
Now, now, now, now, now
Now, now, now, now, now
Now, now, now, now, now
Now, now, now, now, now ... Oooh....


"I've been waiting here for so long,
and all this time has passed me by..
."

"She's a lady, she's got time,
Brush back your hair,
and let me get to know your face
"




"Watcher of the Skies" é o 1º tema do 4º álbum, Foxtrot, de 1972. O título foi emprestado do poema que John Keats escreveu em 1917 ("On First Looking into Chapman's Homer"):

"Then felt I like some watcher of the skies
When a new planet swims into his ken."

Ao contrário do anterior, este foi escrito conjuntamente por Tony Banks e Mike Rutherford, sendo uma composição claramente sinfónica e que começa com um poderoso solo de Mellotron para nos contar uma história das mais esotéricas e, em simultâneo, humanas da produção inicial (a clássica) dos GENESIS, que traduzo desta Wiki:

Um ser alienígena (representado ao vivo pelo "Peter Gabriel" de asas de morcego por detrás da cabeça rapada ao meio) visita a Terra e encontra-a deserta. Colocam-se-lhe as questões - está deserta porque as criaturas nativas se auto-aniquilaram ("Has life again destroyed life") ou porque deixaram a Mãe-Terra para ir algures ("Do they play elsewhere")? Seja qual for a resposta, qual lagarto primitivo que se aparta da cauda, deixando-a para trás, a humanidade como um todo afastou-se para além da sua união com o planeta mãe. O alienígena é idoso e viajou pela imensidão do espaço. Talvez seja gigantesco ou se tenha desenvolvido como uma nave espacial orgânica, pois é-nos dito que ele em si próprio constitui um mundo e que nenhum mundo pelo qual passe é seu. Após observar as condições no planeta, o alienígena transmite aos desaparecidos habitantes alguma da sua antiquíssima sabedoria dizendo (todo o desenrolar da canção-estória sempre me causou arrepios de fio-a-pavio):

"From life alone to life as one,
Think not now your journey's done
For though your ship be sturdy,
no Mercy has the sea,
Will you survive on the ocean of being?
Come ancient children hear what I say
This is my parting council for you on your way."


The Watcher


Por fim, entristecido por ainda se encontrar só, o Observador (Watcher) volta-se e dirige-se de novo para as estrelas. The End e monumental ronda de aplausos e assobios percorre toda a assistência. E muito apropriadamente, porque, como disse, a banda mereceu-os inteiramente e tão cedo não voltaremos a escutar as sábias palavras do Observador dos Céus… Encerrava-se assim, com uma verdadeira chave de ouro, um fascinante espectáculo de duas horas e meia ao som da obra dos GENESIS.


O espectáculo em vídeo

A vídeo-reportagem do evento, realizada por António Maria Correia para a Câmara de Cascais, complementa o meu relato, nomeadamente o ambiente popular de 1975 recriado na zona exterior do recinto, bem como pequenos excertos da actuação dos The Musical Box, incluíndo uma mini-entrevista ao volcalista Denis Gagné. Um documento que servirá para recordar por muito mais tempo a boa impressão causada por todo o acontecimento, apenas lamentando não ter sido dele feita uma captação integral, que bem poderia ser colocada à venda. Espero que os canadenses tenham essa ideia...






Conclusão(?)

Como elogio final só posso afirmar que depois do espectáculo se fica na dúvida se se esteve a assistir a um concerto de Rock ou a uma peça teatral. A meu ver, esta "dúvida" sempre foi propositadamente gerada (e gerida) pelos Genesis, e agora reproduzida numa quase perfeição pelos The Musical Box. Celebrando e evocando 1975 ou não, os canadianos afirmaram já [link entrevista] que tão cedo não voltarão a encenar The Lamb Lies Down On Broadway (esta digressão terminará em 18 de Maio em Montreal, Canadá) e que irão voltar a centrar as suas actuações com recriações de espectáculos GENESIS de outras épocas como "Selling England by the Pound" ou "A Trick of the Tail" (este o primeiro trabalho de longa duração sem Gabriel), regressando ao seu passado. Esta foi, pois, a derradeira possibilidade de vermos TLLDOB tocado integralmente no âmbito do tributo prestado pelo quinteto canadiano.

Assim era o Rock Progressivo de uma das suas bandas precursoras: lírico-mitológico, teatral e inovador.
Ajustadamente, uma bela e saudosa Caixa de Música, agora fechada. (De vez?).


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Algumas das fontes usadas para a composição do meu texto (mencionadas nos locais apropriados):

http://themusicalbox.net/
Câmara Municipal de Cascais
LyricWiki
Wikipedia (Inglês e Português)
HackettSongs
GenesisNews.com
The Annotated Lamb Lies Down On Broadway
Genesis-Cascais75 (blog comemorativo do 30º aniv. do concerto)
http://www.areamilitar.net/
Dramático de Cascais no facebook (fotos do pavilhão antigo e sua demolição)
Pavilhão "Dramático de Cascais" no Flickr
http://jnpdi.blogspot.com/2005/11/o-que-vai-nascer-no-antigo-pavilho-do.html 

5 comentários:

  1. duas palavras:
    uma primeira, para agradecer. nunca vi Genesis ao vivo. com esta tua peça, talvez consiga imaginar um concerto de uma banda do calibre dos Genesis.

    uma segunda palavra para o Progressivo. a gente não se conheçe pessoalmente. mas tenho a certeza que quando e se isso acontecer, não iremos ser estranhos nunca. porque partilhamos desta maneira de ser. desta maneira unica, de viver a musica. eu li-te uma vez, sobre a tua frustração de não ser musico. como eu te compreendo! foi um sonho perdido meu.
    o Progressivo, é uma musica difícil. os albuns conceptuais não são bem aceites. por vezes, perguntam-me, sobre um determinado album, de que faixa eu gostei mais. ou qual a minha faixa preferida. já deves estar a ver minha resposta :) a minha faixa preferida?! uma banda de progressivo produz um trabalho. esse trabalho é gravado num disco. nós, quem ouve, ouve o disco. não ouve a faixa 2 ou a 14. nenhuma faz sentido sem se ouvirem todas as faixas. seguidas.
    temos que concordar que este conceito, em gerações que nascem com ipods, botoes pra clicar "next" e com funçoes "random" faz pouco sentido :)))

    enfim, um dia falaremos com calma. de bandas, de musica, de concertos, mas agora, vou agradecer te o teu trabalho, e elogiar te de alguma maneira. a descrição do ambiente passou. a tua emoção passou. portanto a review está excelente :)

    um abraço

    paulo

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  2. Parabens pela bela descrição do que se passou em Cascais nessa noite mágica.
    Tinha um bilhete para ir mas como moro no outro lado da Peninsula Iberica em plena Catalunha, e por compromissos profissionais não foi possível aproveitar esta bela oportunidade.
    Quanto ao progressivo (ou rockada intelectual como lhe chama a minha mulher) faz parte da minha vida e maneira de ser. Pelo menos 2 horas por dia enquanto me desloco de carro para o trabalho e vice versa. Há melhor maneira de entrar/sair do trabalho ? E está tudo no Ipod. Temos que nos adaptar aos tempos...e aproveitar o melhor possível.

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  3. Todos os anos que os The Musical Box vieram a Portugal, eu fui ver um dos concertos. Já lá vão 5 concertos e meio (um deles faltou a luz a meio).

    O primeiro foi o mais especial. Por ser o primeiro, mas também por estar lá os fãs mesmo fãs da banda. Nos anos seguintes, o público foi mudando, havendo cada vez mais pessoas que não sabiam para o que iam. E pela debanda de gente fugindo dos encores neste sábado, acho que se confirma que é um espectáculo difícil de digestão.

    Desta vez a banda estava mais solta, menos rigorosos, mas ainda bem. Fiquei com a sensação que o teclista seria novo. Pareceu-me não estar tão em forma como noutros concertos... Não sei. Só tive pena que não tivessem aproveitado essa "soltura" para dar mais forte em Waiting Room mais à semelhança aos que os Genesis faziam ao vivo, mais agressivo, mais bateria no final.

    São uma banda extraordinária. Sobretudo nos primeiros concertos, a ilusão de que seriam mesmo os verdadeiros Genesis funcionava mesmo. Foram todos concertos brutais. Do melhor que já assisti. Vamos lá ver, agora sou um espectador diferente, mais atento a novos pormenores, e menos embebedado pela novidade de ver os Genesis (não merecem a maldade das aspas) ao vivo.

    A revista CAIS tem um artigo que diz e bem algo como: os The Musical Box não são uma banda de covers, mas antes um museu vivo [sic]. Concordo plenamente. Sorte a minha, que em 75 nem projecto eu era para os meus pais.

    Afinal, aquela "chaimite" era uma Panhard. Fico a saber o nome, não preciso de chamar mais aquilo de triciclo. :-p

    Tens aqui um belo dum post. Vou adicionar o link ao meu. Este sim, faz justiça ao grande concerto que foi.

    abraço

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  4. Paulo
    Obrigado pelo comentário. GENESIS Live (os originais) nunca mais alguém voltará a ver, infelizmente. Resta-nos o trabalho de Historiografia Musical que os TMB nos trazem ao palco.
    Sobre o Prog e a forma como é encarado, a verdade é que nem mesmo na sua época áurea foi "género" musical bem entendido ou aceite. Digamos que trazia em si as sementes do que seria a sua desdita (comercial, digamos), razão pela qual não durou mais de 10 anos seguidos, tendo sido assoberbado pela onda Punk e, pouco mais tarde, a New Wave. Felizmente que, de alguma forma, nasceram bandas que o quiseram trazer de volta à tona e daí nasceu o denominado Metal Progressivo. Foi um princípio, a meu ver não muito interessante mas que serviu para abrir portas junto de audiências que nos anos 1970s seriam crianças pequenas ou nem sequer nascidos. A partir destes novos empreendimentos, uma outra geração de músicos surgiu e os resultados têm estado à vista: o Prog renasceu, re-desenvolveu-se e está de volta! Depois, pessoas como eu, tudo fazem para relembrar as origens, que, afinal sempre foram a razão primeira do ressurgimento. i.e. e por estranho/paradoxal que possa parecer, o Prog afinal também sempre teve em si um tal valor e potencial que lhe permitiu renascer, depois de se "suicidar"!

    E pronto, é assim que aqui estamos a dele falar. Já é obra, não? E, quem sabe?, aposto que nos iremos encontrar aquando da próxima digressão dos TMB, para assistirmos a um "Selling England By The Pound" ou "A Trick Of The Tail" (para mim um bom álbum, mesmo sendo o 1º s/ o Peter Gabriel). O encore? Avanço já que será "Supper's Ready". ;) Entretanto, o Twitter manter-nos-á na usual amena cavaqueira a propósito deste nosso interesse comum. ;) Abraço

    Abraço! :)

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  5. @LFCR
    Obrigado pelo comentário. Eu, infelizmente, também já vivi essa coisa de possuir bilhetes para um concerto imperdível (no caso, os The Residents do meu coração, em 2001) e depois, no próprio dia, ser impedido de estar presente por um motivo de força maior que me atrasou irremediavelmente... :/ Até aos dias de hoje que espero que regressem a Portugal o "Randy" (Rose), o "Chuck" nos teclados e o "Bob" na guitarra (disse em 2011 no show do Bimbo's de San Francisco o Randy que o "Carlos" se "reformou" após quase 40 anos no "Music Business" e foi tratar da mãe dele no México, mas, ao mesmo tempo, que "it's true we don't really miss those long drum solos..." LOL)). Eu bem que os melgo quase diariamente para "que". ;)

    Adiante, que já divago... É verdade que, historicamente, o Prog sempre se associou a uma certa ideia de intelectualidade (um bom tema a explorar, numa análise de outro género que não esta minha); basta atentar na complexidade, duração e assuntos dos seus temas mais significativos, bem como das motivações e inspirações dos músicos na sua criação. As próprias origens (culturais e não só) dos próprios músicos já explicava muita coisa no Prog, neste sentido de uma certa "cerebralidade" aplicada. Intelectual? Pois que seja! Pelo menos não vieram da sarjeta, como o Punk (que, agora a sério, também teve os seus méritos, mas isso também seria assunto para outro debate, que não aqui nem agora). ;)

    No resto também somos iguais: lamento sempre que o meu Sony MP3 apenas comporte 8 GB de ficheiros de cada vez. Tenho Teras de Prog para (querer) ouvir e tenho de andar numa constante ginástica, a pôr e a tirar álbuns, só para arranjar espaço para outros... :p


    Bruno :)
    Obrigado, também. Nunca antes tinha assistido a shows dos TMB mas a partir de agora não mais prevejo que falhe algum.. Eu estava tão absorto a curtir e a absorver a banda e a música que não me tinha apercebido dessas saídas "de fininho" (provavelmente alguém aflito para fazer xixi, não? ;)). Não o referi no meu texto, mas admito que naquela sala estava muita gente que só "por acaso" (ou arrastamento?) lá deve ter ido parar. Na volta alguns devem ter pensado que iam ver o Phill Collins a actuar, sei lá... :p Como em tudo, haviam os die-hard fans (como nós) e os "outros"

    Quanto aos TMB, o teclista é o mesmo desde há uns anos (acredita) mas como já assististe a mais concertos deles é provável que tenhas encontrado um dos outros 4 que já preencheram a cadeira do Tony Banks. Quanto à performance, não me soou assim tão desajustada ou repreensível, sequer (mesmo no aspecto do som). Mais que não fosse porque o próprio Michael Rutherford já admitiu publicamente que "mesmo tendo nós executado isto mais de 100 vezes, acho que eles tocam melhor do que nós tocávamos". ;)

    Quanto à CAIS, que número é esse? Escapou-me (a ver se o encontro); apenas tenho o nº comemorativo (mais o DVD) do 30º aniversário do concerto original cascalense. Tal como com o Paulo Quintela, vamos falando lá pelo Twitter, OK? :)

    Abraço a todos vós e renovados agradecimentos pela v/ disponibilidade em deixar aqui um testemunho (sempre importante).

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